Todas histórias aqui escritas circulam pela internet, normalmente por correio eletrônico, e que aparecem aqui e ali, com alguns detalhes alterados, de tal forma que não é possível determinar se algumas são autênticas ou não. O certo é que, verdadeiras ou não, todas elas emocionam, edificam e, principalmente, deixam uma lição que pode ser de grande ajuda, especialmente em momentos críticos.

21 de fevereiro de 2013

A moça da bicicleta


Sul da França
Eu e minha amiga estávamos indo para Reims participar de um Congresso de Educação. Sentíamo-nos finas, chiques e intelectualizadas com nossos doutorados, nossa profissão e a conquista da autonomia feminina. Com malas cheias de roupas e experiências, lá fomos nós pegar o trem que nos levaria finalmente ao destino depois de 12 horas de voo… 
Depois de um bom café que tomamos na bela estação Gare de Lest, avistamos o trem que chega e nos surpreende com suas cores e estampas de plantações de uva e da relva amarela que refletem a região de Champagne. Estamos sorridentes e nos sentimos engraçadas, afinal, não entendendo quase nada do francês, havíamos conseguido encontrar a “plataforma” correta. Agora já não éramos pós-doutora, ela, e doutoranda, eu. Éramos sábias!

Finalmente sentamo-nos e o trem parte rumo ao seu destino.

Minha escuta percebe o barulho do trem e remete-me à minha infância. Ah! Quantas vezes viajamos para o interior de São Paulo em família para visitarmos os parentes que lá ficaram. Avós, tios, padrinhos, primos. A lembrança emerge quase que de imediato e por um momento esqueço-me da idade e volto a ser a menina que adorava quando o trem partia da estação.

A paisagem vai se fazendo presente e começo a me encantar com as vilas, as casas pequenas, as ruas organizadas parecendo um cenário. Continuo olhando, louca por apreciar as novas paisagens. Mas, certo incômodo se faz presente, pois o que chama mesmo a atenção do meu olhar é a moça do outro lado, sentada perto da outra janela…
Calma, mansa… Observo como quem olha atentamente um quadro. Cabelos curtinhos com um pequeno rabinho atrás. Uma bicicleta que descansa tão calmamente como ela ao seu lado. Vestido leve, acima do joelho, com estampas geométricas e coloridas… Nos pés, um sapato de lona e borracha que se cruzam por entre as pernas, preguiçosamente esticadas. 

Ah! Lembro-me de novo: pareciam minhas alpargatas de antigamente… 

Com ela, um livro. Ela o lê como quem saboreia um doce gostoso sem medo de terminar.

1ª lição: Desapego 
Olho para minha linda mala vermelha cintilante. De repente, sinto-me pesada, cheia de roupas e a moça ali tão leve. Penso que seria tão mais simples viver assim, sem tantas roupas a mais, sem tantas coisas a mais e sem tanta leveza a menos… Penso nos inúmeros livros que tenho por ler, todos iniciados e inacabados como se os consumisse um pouco e precisasse de outro para consumir um pouco mais. Penso nas caminhadas que não faço – o que tem me resultado em inchaço nos pés, penso nas paisagens que não vejo no meu cotidiano, mesmo passando 2 ou 3 horas por dia dentro de um carro. Penso em como tenho vontade de por um simples vestidinho daquele e sair sem pensar se estou com o corpo perfeito. 

Desapego para largar preconceitos para comigo mesma. Desapego para saborear um livro do começo ao fim pelo simples prazer de ler. Desapego para deixar o cabelo presinho como o dela, ou solto, rebelde, cacheado ao invés das inúmeras progressivas. Desapego para deixar o carro confortável e andar a pé ou de bicicleta.
2ª lição: Humildade 
Humildade para ser eu mesma: leve, serena, mansa, doce, sorridente. Sem desejos de maldade, sem vontade de entrar na briga. Apenas poesia… 

3ª lição: Coerência 

Reflito sobre o quadro de arte: A moça e a bicicleta. Tudo nele é coerente. A interior do sul da França passando pela sua janela, a leveza de aparência e de espírito – com certeza; o mergulho nas profundezas do livro e o caminho dos simples trilhado por aqueles pequenos pés cobertos apenas com a sapatilha de lona bege. 

4ª lição: Espera 

Com a mesma tranquilidade, a moça fecha o livro, coloca-o na velha mochila cor de rosa- onde tem escrito milhares de palavra em francês, pega a bicicleta e desembarca na mais minúscula das estações de trem que já vi.

O trem continua sua viagem. Minha amiga olha para mim e nos entendemos, ou melhor, nos sabemos. Não era um saber de lá de fora, era um saber que nos percorria. Entendemo-nos apenas pelo olhar, afinal anos e anos de estudos na interdisciplinaridade valeram para sermos mais sensíveis.

O trem continua seu curso e nós vamos aprendendo a esperar para aprender a aceitar com simplicidade a fluidez da Vida e todos os encontros que Ela é capaz de nos proporcionar. 


 Ah! A Vida, sempre a Vida e a capacidade que ELA tem de nos surpreender SEMPRE! 

La Vie est belle! (será que é assim que se escreve?)